Os cientistas conseguiram ensinar os circuitos eletrônicos a memorizar reações. [Imagem: Hermann Kohlstedt]
Comportamento eletrônico
Os experimentos com cães do russo Ivan Pavlov estão para a psicologia assim como o lendário "experimento" de Newton com a maçã está para a física.
Até o início do século 20, a ciência assumia que os seres vivos agiam seguindo alguns reflexos instintivos inatos. Mas Pavlov demonstrou que era possível gerar reações sem o estímulo físico característico.
Ao tocar um sino antes de alimentar os cães, ele demonstrou que, após algum tempo, os cães salivavam apenas ao ouvir o toque da sineta, sem que houvesse nenhuma comida por perto.
A história parece estar se repetindo no campo da eletrônica.
Até há pouco tempo, considerava-se que os componentes eletrônicos, que formam os computadores e toda a parafernália tecnológica com a qual estamos acostumados, "agiam" apenas segundo a corrente elétrica que passava por eles.
Isso começou a mudar com a criação do memristor, uma memória resistiva, que se "lembra" da corrente elétrica que a percorreu anteriormente - por isso apelidado de "sinapse artificial".
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"Nós usamos memristores a fim de imitar o comportamento associativo do cão de Pavlov na forma de um circuito eletrônico," resume o professor Hermann Kohlstedt, coordenador da equipe.
Aprendizado de máquina
Essencialmente, este experimento está para a computação assim como o experimento de Pavlov está para o comportamento humano, ou Newton e a maçã estão para a física.
Ocorre que as informações digitais e as informações biológicas são processadas seguindo princípios fundamentalmente diferentes.
É por isso que é tão difícil ensinar as coisas aos computadores e aos robôs: eles simplesmente não aprendem pela experiência.
Isso força os humanos a escrevem programas exaustivamente extensos, que devem prever cada situação que o equipamento irá encontrar, em detalhes, dizendo como ele deverá agir em resposta a cada uma dessas situações. Quando alguma coisa sai fora do script, o programa trava ou é encerrado abruptamente.
Assim, estamos longe de podermos falar sobre "processos cognitivos" de um computador ou de um robô.
A replicação do cão de Pavlov em escala eletrônica pode mudar tudo isso ao abrir, pela primeira vez, a possibilidade de se projetar circuitos eletrônicos que imitem o aprendizado animal.
Cognição eletrônica
Enquanto um resistor "reage" à corrente elétrica simplesmente impondo uma resistência à sua passagem, o memristor consegue se "lembrar" da última corrente que passou por ele porque ele altera sua própria resistência a cada passagem da energia.
Há tempos os cientistas sonham em usar esse efeito memória para criar circuitos similares às conexões existentes entre as sinapses cerebrais.
"No longo prazo, nosso objetivo é transferir a plasticidade sináptica para os circuitos eletrônicos. Nós poderemos até mesmo recriar eletronicamente as habilidades cognitivas," confirma Kohlstedt.
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O
circuito eletrônico apresenta o comportamento clássico do
condicionamento observado no campo da psicologia. [Imagem: Advanced
Functional Materials]
O experimento do cão de Pavlov eletrônico consistiu no seguinte: dois impulsos elétricos foram interligados a um comparador através de um memristor. Os dois impulsos representam a comida e o sino no experimento de Pavlov.
Um comparador é um dispositivo que compara duas tensões ou correntes e gera uma saída quando se atinge um determinado nível. Neste caso, quando o valor limite é atingido, o comparador produz o sinal de saída, representando a salivação do cão eletrônico.
Além disso, o elemento memristivo tem sua própria tensão limite, que é definida por propriedades físico-químicas estabelecidas na sua fabricação. Abaixo desse valor limite, o memresistor comporta-se como qualquer resistor comum. Acima do limite, surge seu efeito memória, mudando sua resistência.
Ao aplicar os dois impulsos elétricos simultaneamente, supera-se a tensão limite do memresistor, ativando-se sua memória.
Múltiplas repetições levam a um processo de aprendizado associativo no circuito - exatamente como no cão de Pavlov.
"Desse momento em diante, nós precisamos apenas aplicar o impulso elétrico 2 (equivalente ao sino) para que o comparador gere um sinal, equivalente à salivação," explica Martin Ziegler, responsável pelo experimento.
O impulso elétrico 1 (o alimento) continua produzindo a mesma reação que já produzia antes do aprendizado. Afinal, o cão sempre saliva na presença do alimento real.
Assim, o circuito eletrônico apresenta o comportamento clássico do condicionamento observado no campo da psicologia.
E, como se aprende, também se desaprende. Se o sino for tocado seguidamente sem que o cão receba comida, o condicionamento será rompido - no cão de Pavlov eletrônico, a não aplicação dos dois impulsos simultaneamente leva à perda do aprendizado do circuito eletrônico.
Computadores que aprendem
O que os pesquisadores planejam agora é construir comportamentos mais complexos, criando módulos de uma rede neural em hardware que de fato aprenda com os impulsos que receber.
Segundo eles, uma primeira aplicação prática estaria no reconhecimento de padrões, algo muito difícil de programar nos computadores atuais.
Mas, no longo prazo, a esperada criação de habilidades cognitivas em circuitos eletrônicos poderão criar computadores que não serão avaliados mais apenas pela velocidade com que conseguem realizar cálculos, mas pela sua capacidade de aprendizado.
O memristor, o componente eletrônico com memória, foi teorizado pelo cientista Leon Chua, em 1971.
Mas o primeiro memristor prático só foi construído em 2005, nos laboratórios da HP, e os cientistas conseguiram entender realmente seu funcionamento apenas no ano passado:
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O primeiro processador realmente baseado em memristores foi construído por Robinson Pino e seus colegas da pouco conhecida Universidade de Boise, nos Estados Unidos:
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